terça-feira, 6 de outubro de 2009

Ano Velho

...poder-se-ia dizer, uma história que começa do fim. Era 31 de dezembro de 2006. Duas pessoas, mais precisamente duas idéias, se confrontavam em algum lugar do litoral catarinense. Uma, de um otimismo levemente afetado por desavenças constantes na vida pessoal; outra, de um pessimismo conformado, levemente simplista, e plenamente complexado:
(...)
- Não ergo uma bandeira pró-fidelidade. Mas o fato é que tem momentos em que não há desejo pela transgressão, entende? Um pouco por medo, outro pouco por peso de consciência, é verdade... mas é certo que é uma sensação de completo alento. Não fazer o mínimo esforço para estar com outro alguém, pra não dizer simplesmente não querer estar com outro alguém... sei lá, é uma tranquilidade estranha...
- Hehe... é, cara... já pensei assim também. Um dia já cometi esse erro. Mas, cara, elas não merecem isso. Prefiro fazer antes de levar um bom par de chifres. Essas 'mulher' são tudo vagabunda.
- É... sei não. Qual a moral? Entrar em um relacionamento com um pé atrás e uma mão na bunda de outra vadia qualquer? Sabe?

...até esse ponto, ao olhar desatento, não se via muito além de um diálogo maniqueísta - o bem contra o mal, o correto contra o errado. Mas não, era algo mais... de um lado, era um alguém ainda esperançoso quanto a um namoro em crise; d'outro, apenas um ranço, vingativo e surrado.

- A moral é essa. Nessa vida, o que importa é dinheiro, um carro massa, bastante mulher, e uma cervejinha gelada... 'tá comigo?
- ... - uma inquietude consternada da idéia oposta, um silêncio breve, e por fim, um consentimento sutil no manejo afirmativo da cabeça. Conformou-se... aquela discussão, fosse como fosse, não levaria a nada.

E aí entro eu, vosso humilde narrador e comentarista desse certame, para uma breve reflexão acerca das idéias em conflito.
O lado pessimista - vê e vive um toma lá, dá cá, bezuntado em orgulho próprio e birra. Em algum momento, pode ter sido um otimista, mas perdeu o caminho nas primeiras oportunidades oferecidas. Hoje, é ele, é só, não depende - uma linha reta, objetiva e concreta, sem qualquer maleabilidade. E a idéia oposta... seria de um otimismo puro? Nota-se que a sua tendência em valorizar o próximo (no caso, a próxima) é admirável. Contudo, não se sabe os motivos que o levam a isso - tampouco o interlocutor faz questão de esclarecer. Ele não chega a firmar posição, e permanece em cima do muro. Sequer chegou a lutar pelos seus valores. Desistiu fácil de defender o que acredita, por ver como certa a incompreensão do outro. Julgou-se superior, dono de uma verdade que mal formulara por lógica, mas sim por um orgulho ético que, não seria de todo absurdo dizer, era tão burro quanto a pior ignorância.
...e seguia o confronto. Posso adiantar que agora não mais se tratava de uma mera concretização maniqueísta verbal, agora era algo mais... um conflito entre egos, um choque frontal entre orgulhos feridos.
(...)
- Eu poderia dizer, aliás, eu digo que uma pedra é tão viva quanto uma pessoa.
- Quê!? Que absurdo!
- Por quê? Que concepção tão errada é essa que define a vida?
- Cara, tu 'fumô' alguma coisa? Quando que uma pedra vai ser viva? Ela caminha por acaso?
- Desde quando vida é vida só quando caminha? ...entende? Por que essa categorização entre vivo/não vivo? A verdade é que tudo não passa de organização. Organização atômica, organização molecular, organização celular, ... sabe? O fato é esse... somos um conjunto de coisas, como qualquer pedra. Somos um conjunto de coisas que mal se dá conta do que é o todo que formamos.
- Ah... cala a boca.
- Eu tô certo.
- 'Tá errado. 'Tá louco e 'tá errado.
(...)
Nesse ponto o confronto franco e agressivo entre as idéias, e principalmente, entre os egos, se vê evidente. Não há interesse outro senão o de se sair vitorioso, inabalável, superior. Talvez pela grande inércia dessa vida, em não querer que, a partir daquele ponto, a vida de um ou de outro se quebre, tomando novos rumos e concepções.

Era, finalmente, o ponto de inflexão reflexiva de mais um ciclo de vida. O ideal otimista chegava ao fim daquele ano em um paradoxo nada novo.
Era uma situação ruim, mesmo recém passado o melhor ano de sua vida.

(01.01.2007)

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